De Josias de Souza
Dilma Rousseff encontrou nos últimos dias uma forma de preencher o vazio de sua rotina pós-impeachment. Dedica-se a espinafrar a democracia brasileira no exterior. Nesta sexta-feira (27), participou de um seminário na Universidade de Salento, em Lacce, no sul da Itália. A certa altura, denunciou um “segundo golpe” que estaria sendo tramado no Brasil, dessa vez para “retirar da eleição de 2018 Lula da Silva ou adiá-la, por algum motivo que eu ainda não consegui imaginar.”
A suposta trama golpista foi encaixada na última frase da palestra de Dilma como uma espécie de grand finale de uma locução confusa, que a tradução concomitante do dilmês para o italiano tornou enfadonha (assista à íntegra no vídeo disponível no no rodapé do post). Na antevéspera, Dilma dissera noutro seminário, na Espanha, que “há interesses escusos” na Lava Jato. Sem citar os cinco processos em que Lula figura como réu, mencionara o “grande risco de que eles tentem inviabilizar sua eleição, condenando-o.” Sobre adiamento da eleição, não havia falado ainda.
Paradoxalmente, Dilma disse crer na democracia brasileira. “Eu acredito na força do povo brasileiro para impedir esse golpe”, ela afirmou, sem esclarecer à plateia italiana que, por ora, há no Brasil mais gente na fila do seguro desemprego do que nas hipotéticas fileiras da resistência a um golpe que ninguém farejou. “O Brasil precisa de um banho de democracia”, sustentou. “Não é um acordo por cima, como é da nossa tradição política. Agora, é um acordo por baixo, que só o voto constroi.”
Dilma teve de fazer uma certa ginástica retórica para explicar aos italianos por que as praças no Brasil não estão apinhadas de manifestantes protestando contra o impeachment e clamando pelo seu retorno à Presidência. “Como se explica que a população brasileira tenha, de uma certa forma, sucumbido diante do golpe?”, ela perguntou a si mesma. Atribuiu o fenômeno sobretudo à crise. Nada a ver, naturalmente, com o seu governo. Dilma culpou o mundo.
“O mundo entrou em crise. Os países em desenvolvimento, emergentes, resistiram à crise. Mas acabaram sofrendo os efeitos dela a partir do terceiro trimestre de 2013. E a base fundamental dessa crise ocorreu em 2015.” Citando o economista Milton Friedman, que chamou de “pai do neoliberalismo”, Dilma disse que, sob crise, proliferam alternativas às políticas existentes, que ficam em evidência “até que o politicamente impossível se torne o politicamente inevitável.”
“No Chile foi o golpe [que guindou Augusto Pinochet ao poder]. Com a Margaret Thatcher [ex-primeira-ministra britânica], a guerra das Malvinas”, comparou Dilma, antes de incluir esta terra de palmeiras em sua inusitada analogia: “No Brasil, não foi [apenas] a crise econômica, foi sobretudo a crise política. A crise política teve um papel estratégico na inviabilização do governo, no enfrentamento da crise econômica.”
Sem citar nomes, Dilma sustentou que os algozes do seu governo, em conluio com a imprensa, fabricaram uma crise política, para “inviabilizar a saída da crise econômica.” As gestões petistas já tinham feito dois ajustes “para enfrentar problemas econômicos”, disse Dilma. “…Isso ocorreu em 2003, 2004 e metade de 2005. E ocorreu de 2010 para 2011. Nessas duas vezes, nós fizemos ajustes e conseguimos voltar a crescer, continuamos distribuindo renda. Nós acrerditávamos que conseguiríamos fazer o mesmo em 2015.”
Abstendo-se de mencionar que havia cerca de 11 milhões de brasileiros desempregados quando o impeachment foi consumado, Dilma atrasou o relógio: “Para vocês terem uma ideia, no final de 2014 a taxa de desemprego no Brasil era 4,6%, a mais baixa da história. Nós sabíamos que tínhamos de tomar medidas, reduzir alguns gastos, e sobretudo aumentar impostos.”
Sem perceber, Dilma acabou confessando na Itália ter praticado no ano eleitoral de 2014 um estelionato político. Sabia que o ajuste fiscal era inevitável. Tramava aumentar impostos. Mas prevaleceu sobre o tucano Aécio Neves nas urnas daquele ano vendendo a fantasia de um Brasil condenado à prosperidade, impermeável à crise.
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