Em recente jantar com empresários e jornalistas, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, fez duas declarações alvissareiras. Numa, tratou da regra que prevê a prisão de condenados na primeira e na segunda instância do Judiciário. Disse que a Suprema Corte vai se “apequenar” se usar a condenação de Lula a 12 anos e 1 mês de cadeia como pretexto para alterar a norma. Noutra declaração, a ministra posicinou-se sobre a Lei da Ficha Limpa. Considerou improvável que o Supremo modifique o entendimento segundo o qual os sentenciados em tribunais de segundo grau tornam-se inelegíveis.
Em evento promovido pelo site Poder360, Cármen Lúcia enfatizou que não cogita incluir na pauta de julgamentos ações que tratem da execução das penas a partir da segunda instância —mesmo que sejam desvinculadas do caso Lula. Quer dizer: tomada pelas palavras, a presidente do Supremo tratará Lula a pão e água. Nada impede, porém, que um colega de Cármen Lúcia, sorteado para relatar um pedido de habeas corpus de Lula, conceda liminar autorizando o condenado a permanecer em liberdade até o julgamento do mérito de recurso contra o veredicto do TRF-4.
Não faltam no Supremo gilmares, toffolis e outros azares dispostos a arrostar o desgaste de servir refresco a Lula. Confirmando-se esta hipótese, o apequenamento seria individual. Mas o pé-direito de todo o tribunal seria inexoravelmente rebaixado junto. A despeito das palavras de Cármen Lúcia, o histórico da Suprema Corte recomenda que o otimismo seja cultivado apenas até certo ponto. O ponto de interrogação.
A banda que toca no Supremo a política das celas abertas não está de braços cruzados. De resto, deve-se recordar que a Corte andou flertando com práticas que politizaram a Justiça. Por exemplo: quando a Primeira Turma do Supremo suspendeu o mandato do senador Aécio Neves e proibiu o tucano de sair de casa à noite, a própria Cármen Lúcia retirou da gaveta uma ação providencial. Levada ao plenário às pressas, a peça resultou na decisão que permitiu ao plenário do Senado livrar Aécio das sanções. Em episódio anterior, a mesma Cármen Lúcia havia trocado a toga pela articulação política quando se mobilizou para evitar o afastamento do réu Renan Calheiros da Presidência do Senado.
O petismo decerto dirá que a presidente do Supremo dispensa a Lula um tratamento de sub-Aécio, de sub-Renan. A coisa talvez fosse diferente se o hipotético presidenciável do PT ainda estivesse protegido sob a gazebo do foro privilegiado, fora do alcance de Sergio Moro e dos desembargadores do TRF-4.
Torça-se para que Cármen Lúcia, agora em versão draconiana, prevaleça. Rigor é o que se espera da instância máxima do Judiciário diante de uma conjuntura tão apodrecida. Hoje, quando alguém começa a falar sobre corrupção numa rodinha, é inútil tentar mudar de assunto. Pode-se, no máximo, mudar de corrupto. Num ambiente assim, se o Supremo alterar a regra sobre o encarceramento de condenados na segunda instância, sua supremacia caberá numa caixa de fósforos.
Por Josias de Souza
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