Por François Silvestre
A barbárie que modelou o processo de expansão do domínio europeu sobre povos internos e distantes, conquistas e colonizações, marcou a ferro o lombo da História.
No Oriente, não foi diferente. Mesmo assim pode-se dizer que a intolerância daí decorrente demarcava-se em espaços limitados e em tempos distintos.
E tudo se configurando num quatro de conquistadores oprimindo conquistados. Portanto, intolerância endêmica. Aquela que se limita por fronteiras claras.
“Evoluímos” para a epidemia, rompendo fronteiras e expandindo a intolerância. Evolução de domínio, involução de caráter.
Hoje, a epidemia já produz saudade. A intolerância virou pandemia. Não respeita mais qualquer limitação, nem fronteiras.
A guerra, de qualquer natureza, serve-se de todos os pretextos. Até as denominações religiosas, que sempre foram disfarces de interesses econômicos, agora elevaram o nível da intolerância à beira do céu. Onde vendem lotes às almas ingênuas, prometendo entrega após depositarem na terra os seus corpos apodrecidos.
É um mercado macabro, cuja enganação agrega ao pacote a intolerância sem limite.
Ortega y Gasset dizia que o “homem não possui natureza, tem história”. Isto é, a natureza no homem é tão somente orgânica, não social; diferentemente dos irracionais, que possuem sociabilidade por natureza e não pela história.
A pandemia da intolerância, que vai da praça ao quintal, do continente ao município, do mar ao poço, do front da guerra ao campo de futebol, da igreja ao oratório, do parlamento ao bar, do tribunal ao cartório, do jornal ao fuxico, do bate-papo à internet, da arte à depressão.
Nem precisa de uma diferença ideológica, política ou religiosa. Uma discordância trivial rasga o fato e derrama as tripas.
A mídia é um palanque. Não importa informar ou questionar. “Meu lado é o bom e o resto não presta”. Nenhum espaço à tolerância. A internet é uma praça de guerra. E no meio da luta fratricida, não há lugar para ponderações.
A única intolerância legítima, a ser exercida, é contra a corrupção, racismo e a violência do estupro ou da pedofilia. Aí há de ser intolerância absoluta. Tolerância abaixo de zero.
Informar com isenção deixou de ser o princípio que legitima a liberdade de imprensa. Isenção não é neutralidade. É abertura à informação sem alinhamento automático.
Uma coisa é discordar. Outra é transformar a discordância num confronto. E essa inimizade nasce fundamentada apenas na intolerância, sem que os contendores precisem de qualquer covivência pessoal ou relações sociais.
Conviver apenas com quem tem opinião convergente é facílimo. E muitas vezes chatíssimo. É o cansaço da concordância, muitas vezes fruto da preguiça de pensar.
O difícil e belo é conviver com a divergência. No respeito ao contrário. Na beleza do contraditório. Coisa que até a operação do Direito tem esquecido, num jogo sujo de luminosidades disputadas. E no acasalamento entre o escuro e a escuridão, o resultado do coito é a prenhez das trevas. Té mais.
François Silvestre é escritor
Via Blog de Carlos Santos
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