Do Congresso em Foco
Casada durante dez anos com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), Jullyene Lins vive sob as sombras, em endereços emprestados e escondidos até da maior parte dos familiares. Ela afirma que tem medo de morrer.
O motivo é resultado de uma série de denúncias que, ao longo dos últimos anos, ela faz reiteradamente contra Arthur Lira. De acordo com Jullyene, o patrimônio não declarado do presidente da Câmara gira em torno de R$ 40 milhões, embora a declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral registre apenas R$ 5,65 milhões. Mesmo diante de provas já apresentadas por ela na Justiça, os processos que caminham em diferentes varas foram arquivados. Sua mais recente denúncia é por violência sexual.
Jullyene Lins revelou, em entrevista à Agência Pública, ter sido estuprada pelo deputado em 5 de novembro de 2016, noite em que, segundo ela, Lira também a agrediu física e verbalmente e a ameaçou de morte, em uma crise de ciúmes. Julyenne já havia dito que foi agredida pelo ex-marido, mas essa foi a primeira vez que ela falou publicamente em violência sexual. Ela chegou a registrar um boletim de ocorrência na polícia, e o caso tramitou na Justiça até que o Supremo Tribunal Federal (STF) inocentou Lira em 2015.
Agora, Jullyene retomou a coragem e promete, junto com seus advogados, ingressar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em busca do desarquivamento dos processos que move contra Lira. Os detalhes ela contou nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.
A reportagem procurou o presidente da Câmara para comentar as declarações de Jullyenne, mas ele informou que não se manifestaria.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Congresso em Foco – Há algum tempo a senhora tem falado sobre a série de violências da qual é vítima por parte do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), seu ex-marido. Recentemente, foi a primeira vez que a senhora falou que sofreu violência sexual. Por que demorou tanto tempo para se manifestar sobre isso?
Jullyene Lins – É verdade. É difícil mesmo falar sobre isso, mas é como eu disse: eu precisava tirar esse peso das minhas costas. Eu não conseguia mais conviver com isso, entendeu? E fiz tudo isso preservando todo mundo, minha família, meus filhos e o quê levei foi isso, né?
Desde que a senhora começou a denunciar os atos do presidente da Câmara, tem falado nos cuidados que tem com os filhos. Mas os filhos ficaram do lado do presidente da Casa. Como a senhora recebe essa decisão deles?
Eles estão com o pai e até agora também não tiveram contato comigo, não. Mas eu esperei eles crescerem para falar sobre isso (violência sexual). Agora eles estão maiores, o mais novo tem 17 anos. Eles já têm entendimento das coisas.
Peço perdão pela indelicadeza da pergunta e, se a senhora não se sentir à vontade para responder, por favor, tenha liberdade para me falar. Foi a primeira vez que foi violentada sexualmente?
Foi. Sempre é complicado, porque a mulher é vista como para servir o homem. E eu, naquela época da servidão, eu não achava que estava sendo violentada. Era obrigação da esposa, entendeu? E até à época mesmo, eu fiquei com medo de falar por conta disso. E depois que a gente vai tomando entendimento e conhecimento das situações, das coisas, vê que o direito da mulher mudou muito. Está abrangente, mais acessível. Foi então que eu vi realmente o que eu tinha sofrido.
Quanto tempo a senhora acredita que tenha demorado para entender que o que tinha passado era uma violência sexual?
Me dei conta de uns anos para cá. Eu não sei precisar o tempo, mas acho que de quatro anos para cá. Eu tinha que trazer, mas tudo que eu falei era deturpado por ele.
Pelo presidente Arthur Lira?
Sim. Ele dizia que eu estava querendo extorquir. Nunca foi isso. Imagine se eu falasse uma coisa dessa naquela época. Ele tem o prazer de me desmoralizar, mas aí eu fui juntando forças. Como mulher, falar sobre isso, por mais dolorido que seja, faz com que você mostre que ninguém pode se calar. E a violência não é só um tapa, uma surra. Existe todo tipo de violência e eu sofro todas as violências vindas do Lira. Eu sofro violência institucional. Eu sofro com a moral. Eu sofro tudo, a financeira, patrimonial, tudo. Eu sofro tudo até hoje e eu cansei de ficar calada e de esperar o judiciário agir.
A senhora já ingressou com vários processos contra o deputado Arthur Lira, inclusive pediu proteção do Ministério da Família e Direitos Humanos da gestão passada, mas nunca obteve retornos. A que a senhora atribui isso?
Ao domínio dele né? Ao domínio político. Ele domina o Judiciário alagoano. Por isso que eu clamei tanto e clamo pelo CNJ agora para ter uma intervenção ali porque todos os processos dele contra mim andam e os meus são engavetados.
A senhora segue morando em Alagoas?
Eu estou no mundo. Não posso dizer onde por motivo da minha segurança. Por segurança, não fico num local fixo. Eu queria tanto um lar. Eu queria tanto ter um lugar para guardar minhas as minhas coisas, meus objetos, as minhas roupas, tudo meu, mas eu fico de um local para o outro, aí passa um tempo, vou para outro. Isso não é vida.
Arthur Lira é um dos homens mais poderosos do país. A senhora imagina que sua vida iria tomar esse caminho?
Não, eu não imaginava que ia virar esse inferno no momento que eu estava com ele. Mas eu sabia do que ele era capaz, porque eu sabia como ele tratava os inimigos políticos dele, que ele fazia o que queria com quem não obedecia às ordens dele. Eu sabia que ele era possessivo, autoritário, arrogante, que tinha que ser tudo do jeito dele. Olhe, eu não sei nem mensurar do que ele é capaz. Eu nem sei do que esse homem é capaz porque cada dia que passa são mais surpresas, mais coisas horríveis. Ele não tem limite. Eu estou correndo risco de morte.
O presidente da Câmara a ameaçou?
Ele não vai chegar para mim com uma pistola, uma arma na minha cara e vai me matar. Mas, ah, ela estava atravessando, foi atropelada, não fui eu. Ah, foi uma briga de trânsito? Não fui eu. Ah, ela foi assaltada. Não fui eu. Facada, levou, não fui eu.
A senhora estava ocupando um cargo no governo de Alagoas, que é conduzido por um aliado do senador Renan Calheiros (MDB), inimigo declarado de Lira. Por que a senhora saiu?
Fui eu que pedi exoneração porque eu não podia ficar em Alagoas, só isso. Era uma questão de segurança.
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