De Roberto Fontes
Jornalista, cachaceiro, editor do blogue Bar de Ferreirinha
Ele já fez tudo na vida: foi agricultor, motorista, bicheiro, dono de bar, caçador, recenseador do IBGE, bodegueiro, vendedor de aves na década de 40, jogador de futebol, assessor político da Prefeitura de Jucurutu, dançarino de cabaré, orador de solenidades, escritor de cartas para o INSS, jogador de baralho, boleiro nas horas vagas, ex-futuro vereador (nunca aceitou ser candidato), cambista e o maior assador de carne de sol do Brasil. Mas nunca deixou de ser boêmio, a sua principal atividade.
Stoessel Dias, casado com Guilhermina (in memoriam), pai de Tecobol (in memoriam), Paulo Dias, Lêda e Lenira, é uma figura ímpar, que só poderia ter nascido em Caicó. Sim, Stoessel é só no registro civil: ele é conhecido mesmo pelo apelido de Xexéu. Apreciador de cerveja gelada, Xexéu adora viajar - normalmente no banco da frente do carro, com o cotovelo apoiado na porta - e faz o percurso ficar menor com a sua inacreditável capacidade de contar estórias. É servidor público aposentado e frasista emérito.
“Eu não tenho formação acadêmica nenhuma, especialmente em engenharia química, mas uma das coisas de que eu mais gosto de fazer é transformar cerveja, cachaça e outras bebidas alcoólicas em urina!”. Aos 84 anos de idade, completados no dia 30 de setembro de 2011, Xexéu continua irreverente, gozador, cachaceiro, cervejeiro, botequeiro, jogador de baralho e mulherengo – um boêmio na mais completa acepção da palavra. Sempre foi assim, desde o início de suas atividades há mais de 60 anos.
É um dos clientes-fundadores ainda em atividade do Bar de Ferreirinha, o boteco mais antigo no Rio Grande do Norte, que funciona desde 1959. Entre uma cerveja gelada e um prato de rapa de queijo de manteiga, cercado por vários bêbados atentos às suas frases recheadas de bom humor, Xexéu exercita diariamente o seu jeito bonachão. “Meia idade é a altura da vida em que o trabalho já não dá prazer e o prazer começa a dar trabalho”, costuma dizer aos companheiros de bar, que adoram as suas tiradas.
O espírito boêmio sempre falou mais alto, principalmente no tempo em que ele mantinha o Bar de Xexéu, no Mercado Público, que ficou conhecido em todo o Rio Grande do Norte pela excelência da carne de sol que só ele sabia preparar. Era comum, em pleno movimento do fim de tarde, algum amigo convidá-lo pra uma farra e ele, simplesmente, deixar a chave do bar pendurada na fechadura com a recomendação expressa: “o último a sair feche a porta e guarde a chave pra me entregar amanhã ou noutro dia”.
E saía pelos inferninhos da cidade e dos arredores, vivendo a mil a sua aventura boêmia e de vadio profissional. Conta o amigo e radialista Clóvis Pereira Júnior, o Pituleira, também editor do blogue Bar de Ferreirinha e companheiro de farras, que Xexéu também gostava de contar umas mentiras sinceras. “Pra impressionar, ele dizia que era filho de pais ricos, afilhado do saudoso senador Dinarte Mariz e um ex-acadêmico de Medicina que vivia como boêmio apenas porque preferia levar uma vida mais agitada e emocionante”, diz Pituleira.
Jogo do Bicho - Um fato impressionante marcou a vida de Xexéu como banqueiro do Jogo do Bicho, na década de 1950. Uma jogadora inveterada, dona de casa aposentada de Jucurutu, sonhou que o bicho seria vaca durante seis sextas-feiras consecutivas. Não só sonhou, mas avisou à vizinhança, aos familiares e aos amigos e, na sexta-feira seguinte, foi a Caicó jogar no bicho. Jogou em vaca e o bicho foi... vaca!
A notícia se espalhou rapidamente. Na sexta-feira seguinte, o movimento na banca de Xexéu duplicou: todo mundo jogou vaca. Deu de novo, e assim foi durante mais três semanas. Na sexta semana consecutiva, caravanas de apostadores de todas as cidades do Seridó se dirigiram a Caicó para jogar no bicho. Em vaca, evidentemente! Xexéu recolheu o dinheiro das apostas, alugou o jeep de Otoni Nóbrega - único carro de frete disponível na época - e foi descarregar as apostas de sua banca com um bicheiro de Campina Grande, a 204 quilômetros de Caicó, pensando, evidentemente, em ganhar muito dinheiro.
O bicho foi... cavalo! Aí Xexéu quebrou.
Uma vez boêmio, sempre boêmio. Ainda hoje, aos 84 anos de idade, Xexéu cumpre o ritual de beber uma cervejinha ou uma cachacinha antes do almoço. Recentemente perdeu a mulher, Guilhermina. Mas não perdeu a verve: ‘Quando a gente envelhece, o cabelo embranquece, o osso adoece, o joelho endurece, a vista escurece, a memória esquece, a gengiva aparece, a hemorróida engrandece, a barriga cresce, a pelanca desce, o pau amolece, a mulher se oferece e a gente agradece’. Vida longa a Xexéu Dias!
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