O protagonismo midiático do general Hamilton Mourão(PRTB) durante seus dois períodos como presidente interino incomodaram o entorno familiar e político de Jair Bolsonaro (PSL). Um dos filhos do presidente disse a duas pessoas que o general busca
se mostrar como uma figura mais preparada em caso de alguma crise
desestabilizar o governo —avaliação, de resto, constante nos círculos
políticos de Brasília.
A percepção foi reforçada por momentos em que Mourão apresentou-se como contraponto ao presidente. Isso ecoa um mal-estar da campanha eleitoral,
quando Mourão quis representar Bolsonaro em debates após o atentado a
faca que sofreu, sendo rechaçado pelos três filhos do então
presidenciável.
Na semana passada, quando assumiu por quatro dias enquanto Bolsonaro
estava no fórum de Davos, a primeira aparição do interino foi em uma
entrevista à Rádio Gaúcha, na qual disse que a flexibilização do porte
de armas não tem efeito contra a violência.
A medida, disse, foi apenas uma mesura do presidente à sua base de
apoio. Na sequência, recebeu o embaixador alemão no Brasil, que
representava informalmente a União Europeia e deu uma inusual entrevista
dizendo que o encontro visava corrigir “uma reputação meio errada”.
O ponto mais nevrálgico foi a negativa da mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, prometida por Bolsonaro para sua base evangélica e para o premiê Binyamin Netanyahu.
Reconhecer a cidade como capital do Estado judeu é visto como uma
reparação do que os evangélicos consideram verdade bíblica e um
preâmbulo para a volta de Cristo. Mourão descartou o plano ao falar sobre o embargo saudita a
exportações de frango brasileiro e, depois, durante dois encontros
oficiais na segunda (28) e na terça (29) com representantes árabes.
Membros da ala bolsonarista da comunidade judaica e líderes
evangélicos disseram que iriam esperar Bolsonaro sair da UTI, onde se
recupera da cirurgia que levou Mourão ao cargo pela segunda vez na
segunda, para reclamar.
A desavença também ocorre dentro do governo, onde ministros como Onyx
Lorenzoni (Casa Civil) e Gustavo Bebianno (Secretaria Geral) se veem
questionados tanto por Mourão quanto pelos ministros egressos da ala
militar —como os generais da reserva Augusto Heleno (Gabinete de
Segurança Institucional) e Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de
Governo).
O vice nunca foi uma unanimidade nos meios militares devido às
posições duras e polêmicas. No cargo, moderou o discurso e, ao fim, é
“um deles” em caso de crise —o que é apenas uma hipótese neste momento. Causou especial alarme no entorno bolsonarista a subida de tom de
Mourão sobre a investigação envolvendo movimentações financeiras do
primogênito de Bolsonaro, o senador eleito Flávio (PSL-RJ).
Apesar de defender que o sobrenome é o que pesa na apuração, ele passou a considerar que a questão pode vir a ser um problema do governo. A revelação de que o gabinete do filho contratou parentes de um
suspeito de liderar grupo de extermínio no Rio foi especialmente
malvista na cúpula militar da ativa.
Dois futuros deputados do PSL, que pediram reserva, disseram temer
que o caso cinda o apoio a Bolsonaro —daí a defesa já feita por
militares para que Flávio renuncie, o que ele descarta. E, rachado o núcleo duro do presidente, que cresça o apoio ao vice mais moderado e preparado, segundo esta leitura.
Por óbvio, essa especulação ainda é feita discretamente, mas o fato de existir dá a temperatura da tensão em curso. Mourão também apostou em uma boa relação com a imprensa. Além de atender a pedidos de repórteres, ele os elogiou em rede social.
Bolsonaro, por sua vez, é avesso a jornalistas. E seus filhos
invariavelmente chamam reportagens críticas de lixo, fake news ou coisa
pior.
A cereja deste bolo simbólico foi colocada no seu último compromisso
desta interinidade, na terça (29): recebeu Lauro Jardim, colunista do
jornal O Globo, e Guilherme Amado, da revista Época.
Ambos são alvos contumazes dos filhos do presidente, que os destratam
com frequência em redes sociais e os acusam de disseminar mentiras
sobre o pai. Após o encontro, o interino disse que apoiaria uma decisão de deixar
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso por corrupção e lavagem de
dinheiro, ir ao velório do irmão. O ex-presidente é o maior antípoda de Bolsonaro.
É preciso ressalvar que Mourão não obteve todo o poder que queria na
montagem do governo. Não coordena projetos e segue no Anexo 2 da
Presidência, e não num gabinete ao lado do de Bolsonaro, como vendia no
fim de 2018. Além disso, apesar da retórica, ele cumpriu o roteiro combinado com
Bolsonaro no encaminhamento de medidas. Nisso lembrou outro vice com
opiniões fortes, José Alencar, que criticava políticas do chefe, Lula.
Ao fim, Alencar não tinha poder efetivo.
Da Folha
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