Os segredos enterrados sob a seca implacável do sertão nordestino começam a ser desvendados, com a ajuda de uma pesquisa conduzida em São João do Cariri, no centro-sul da Paraíba, que analisou sedimentos e grãos de pólen coletados de uma lagoa temporária, revelando detalhes surpreendentes sobre a história da Caatinga, a paisagem emblemática do sertão
A vegetação atual da Caatinga, descrita pelo renomado escritor Graciliano Ramos como avermelhada, esparsa e de galhos desfolhados, não é a paisagem original do sertão.
Antes dela, uma floresta semelhante à Amazônia e à Mata Atlântica, povoada por espécies pouco adaptadas à seca, dominava a região. Com a mudança climática, essa vegetação mais úmida deu lugar à Caatinga que conhecemos hoje.
O estudo, que teve a participação de pesquisadores de Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco e São Paulo, identificou árvores nativas como o oiti (gênero Licania) e o cajueiro (Anacardium) em camadas de sedimentos datadas entre 4,9 mil e 2,2 mil anos. Esse achado sugere que a paisagem atual da Caatinga se consolidou há cerca de 5 mil anos.
Paulo Eduardo de Oliveira, palinólogo da USP e coautor do estudo, explica: “Estamos lidando com registros de 17 mil anos atrás. Em um momento muito úmido e mais frio, a composição florística era bastante diferente da atual, com espécies que atualmente são encontradas em regiões montanhosas”.
Evolução da Vegetação
A trajetória evolutiva de algumas linhagens de plantas da Caatinga remonta a 34 milhões de anos, na transição dos períodos Eoceno para Oligoceno. “Após a última glaciação, cerca de 12 mil anos atrás, o clima do Nordeste tornou-se menos úmido.
Porém, somente há 5 mil anos a Caatinga assumiu a forma que vemos hoje”, comenta o geógrafo José João Lelis Leal de Souza, da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
A pesquisa também indica oscilações climáticas ocorridas há cerca de 2,1 mil anos, relacionadas aos fenômenos El Niño e La Niña, e um clima mais estável, porém com períodos de seca prolongada e chuvas esporádicas intensas, a partir de 1,6 mil anos atrás.
O estudo alerta sobre os perigos do desmatamento e da má gestão do solo na Caatinga, práticas que datam do século XVII. “A maneira como o solo é usado na Caatinga hoje reduz a quantidade de nutrientes e água, acelerando a erosão e comprometendo sua capacidade de sustentar a vida”, observa Lelis.
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