De Nildinha Freitas
Você já sentiu que poderia morrer em um hospital por falta de atendimento básico e digno ? Eu senti.
Eu vivi na pele o colapso da saúde pública no Rio Grande do Norte. E não escrevo com base em relatos de terceiros. Escrevo porque fui paciente — ou melhor, sobrevivente — de dois dos principais hospitais públicos do estado: o Hospital Regional de João Câmara e o Walfredo Gurgel, em Natal.
Na Quinta-feira Santa, precisei de atendimento emergencial devido a dores intensas no peito, enjoos e sintomas que me fizeram acreditar que estava tendo um infarto. O primeiro destino foi o Hospital Regional de João Câmara — e o que encontrei lá foi digno de um filme de época. Dos piores.
Ao chegar, percebi que não havia traço algum de modernidade na recepção. O cadastro dos pacientes era feito à mão, com papel e caneta. O computador e a impressora pareciam não ter utilidade. Nenhuma automação. Um verdadeiro retrocesso.
As cadeiras rasgadas, o balcão enferrujado, o ar-condicionado pingando com um saco de lixo preso por esparadrapo para aparar a água. A sala de espera, superlotada.
Fui chamada para a triagem. Fiz um eletrocardiograma. Resultado: indícios de pré-infarto. Fui priorizada para o atendimento médico.
Mas o que aconteceu em seguida foi revoltante.
O médico me atendeu de longe, sentado atrás de uma mesa, protegido por uma cadeira amarrada para impedir a aproximação. Não me examinou. Não auscultou meu coração. Olhou o resultado do eletro e disse que era ansiedade. Receitou dipirona e remédio para enjoo. E só.
Quando o soro terminou, ele já havia saído. A alta estava assinada. Eu que fosse embora.
Voltei para casa ainda sentindo fortes dores. A dor de cabeça só piorava. Foi quando decidimos ir a Natal. No meio do caminho, a dor se intensificou. Fomos direto ao Hospital Walfredo Gurgel.
A entrada já anunciava o caos: portas quebradas e estrutura comprometida. Fui atendida rapidamente na triagem, pela gravidade da dor. Mostrei o exame anterior. O médico respondeu: “Aqui não temos cardiologista. Só atendemos AVC e acidentes”. Mesmo assim, solicitou um novo eletro.
Na enfermagem, minha esposa tentou entregar o pedido. A resposta: “Espera um pouquinho”. Esse “pouquinho” virou duas horas.
Até que uma funcionária apareceu, viu o pedido e disse: “Vocês estavam esperando só isso?” Em cinco minutos, o exame foi feito.
Depois de horas, fui atendida por um médico chamado carinhosamente de “Professor”. Um senhor experiente, empático, humano. Comparou os exames, me ouviu, solicitou novos testes, me medicou. Dormi. Consegui descansar.
Quando acordei, a sala estava lotada. Muita gente, barulho, choro de quem havia perdido um parente, e pessoas sem resposta.
Saí do hospital com o acesso da medicação ainda preso ao braço. Um símbolo físico do descaso e da precariedade da saúde destinada ao povo Potiguar.
A pergunta que não quer calar: por quê?
Não é falta de dinheiro. É falta de gestão. É falta de respeito.
Sou consultora empresarial. Já reestruturei empresas em crise. Já vi caos. Mas nada se compara ao que vivi nesta quinta “santa”.
E afirmo: é possível melhorar. Existem soluções. Existe tecnologia. Existe gente capacitada. Só falta vontade.
O povo do Rio Grande do Norte não quer luxo. Quer dignidade. E quer agora.
O Potengi
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